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É possível regularizar um cosmético artesanal?

Cleber Barros
Escrito por Cleber Barros em 20 de janeiro de 2021
8 min de leitura
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Entenda o processo de regularização de cosméticos no Brasil e saiba se é possível regularizar um cosmético artesanal.

Atualmente notou-se aumento na produção de cosméticos artesanais, assim como a comercialização dos mesmos. Feiras livres e vendas online são os principais meios de distribuição desse tipo de produto. Além disso, os cosméticos do-it-yourself (faça você mesmo) também estão em crescimento e movimentam uma vasta comunidade na internet, onde pessoas compartilham suas experiências e receitas de produtos caseiros para cuidado pessoal, utilizando muitas vezes alimentos, como vinagre de maçã e mel. Normalmente, as pessoas que compram esse tipo de produto pensam que cosméticos artesanais são mais naturais e não possuem substâncias químicas “tóxicas”. Nesse artigo irei falar sobre a situação dos cosméticos artesanais e aspectos regulatórios no Brasil.

Primeiro de tudo, é preciso esclarecer uma coisa: cosméticos naturais e artesanais são coisas distintas. Em suma, não há definição concreta para o termo cosméticos naturais. No Brasil, Estados Unidos e Europa, por exemplo, não existe nenhuma lei que defina o termo. Há algumas certificadoras de produtos que possuem suas próprias definições e diretrizes do que é natural e o que não é; de quais ingredientes podem ser usados e quais não são permitidos. Logo, durante o desenvolvimento de um cosmético natural, certificar o produto ou  olhar para essas certificadoras e suas normas pode ser muito útil. 

cosméticos artesanais são produtos não industrializados, normalmente feitos por uma pessoa só ou um grupo, seja em casa ou em uma pequena oficina, onde não há produção em série. Com as atuais discussões sobre sustentabilidade, muitas pessoas gostariam de comercializar seus cosméticos artesanais. 

Regulação cosmética nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos, por exemplo, os cosméticos não são aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration), mas sim regulados por esse órgão. Não há nenhuma lei que exija que produtos cosméticos ou seus ingredientes (além de aditivos corantes) sejam testados ou aprovados antes de serem comercializados, mas há algumas leis e regulações que se aplicam aos cosméticos. No geral, um fabricante pode usar qualquer ingrediente em seu produto, desde que esse ingrediente não adultere o produto. As duas leis cosméticas mais importantes são a Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos e a Lei de Embalagem e Rotulagem. Nos Estados Unidos o Congresso autoriza que algumas agências governamentais, como o FDA, criem regulações. 

A Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos proíbe a venda de produtos adulterados ou rotulados equivocadamente. Algumas maneiras que um cosmético pode se tornar adulterado:

  • Uso incorreto de corantes;
  • Uso de ingredientes proibidos e restritos (como Cloreto de Metileno, Cloreto de Vinila e compostos de mercúrio);
  • A composição da embalagem torna o produto prejudicial à saúde;
  • Contaminação microbiana;
  • Substâncias contaminantes.

No caso da rotulagem, não são permitidos apelos falsos ou rótulos com falta de informação, como o uso do termo “fotoprotetor” ou semelhantes, uma vez que fotoprotetores não são classificados como cosméticos, mas sim como medicamentos. O FDA pode tomar medidas regulatórias se possuir informações confiáveis e motivos plausíveis indicando que um cosmético está adulterado ou não respeita alguma lei. O produto pode ser retirado do mercado e, dependendo do caso, o FDA pode iniciar uma ação criminal contra o responsável do produto. Além disso, o FDA pode inspecionar os locais de produção dos produtos, garantindo assim a segurança dos cosméticos.

Caso o produto seja considerado um medicamento (como no caso de filtros solares), ou cosmético-medicamento (como hidratantes e bases faciais com FPS), a regulação é mais rigorosa e exigem testes que comprovem a segurança e eficácia do produto.

É possível notar então que a situação regulatória nos Estados Unidos é muito diferente da realidade brasileira. Como nos Estados Unidos não é necessária aprovação para a comercialização de cosméticos, nem testes exigidos, como o de estabilidade, e não há obrigatoriedade de expor o prazo de validade no rótulo, um produtor pode fazer seu produto de maneira artesanal e comercializá-lo. É importante citar, entretanto, que segundo o FDA, os produtores de cosméticos são legalmente responsáveis pela segurança de seus produtos. Isso inclui, por exemplo, garantir que a formulação não permita a proliferação de microrganismos patogênicos. Portanto, é importante pensar: um produtor artesanal teria condições de realizar os testes necessários para garantir a segurança e estabilidade da formulação?

Regulação cosmética no Brasil 

Em suma, a produção de um cosmético para uso próprio é permitido. Mas para comercializar, é necessário regularização. Há diversas RDCs, legislações e portarias referentes à regularização de produtos cosméticos, além de vários testes que devem ser realizados. Ademais, um cosmético para ser comercializado precisa ser registrado ou notificado. No Brasil, os cosméticos são regulados pela Anvisa. Logo, todo cosmético produzido em território brasileiro, assim como seu local de produção, devem seguir as regras e normas determinadas pela vigilância sanitária. 

Recentemente a Anvisa está procurando maneiras de simplificar a regularização de pequenos negócios, através de projetos como o “Inclusão Produtiva com Segurança Sanitária”. A Anvisa reconhece a importância desses setores para o desenvolvimento do país, e por isso está empenhada em simplificar os processos regulatórios, mas sem abrir mão da segurança sanitária. Nesse contexto, a RDC 49/2013 é muito importante, pois estabelece normas para a regularização sanitária de atividades econômicas de microempreendedores individuais, agricultores familiares e empreendimentos de economia solidária. Para algumas atividades, como a produção de cosméticos, é necessário a assinatura de um responsável técnico (profissional que é habilitado e orienta diversos processos, além de verificar a composição do produto, o processo de fabricação, a embalagem e se responsabiliza pela qualidade). Porém, segundo o Artigo 13 da RDC 49/2013, o responsável técnico não precisa necessariamente ser um funcionário da empresa. Também podem prestar essa assessoria profissionais voluntários habilitados na área, assim como profissionais habilitados de órgãos governamentais e não governamentais, exceto agentes de fiscalização sanitária.     

Além disso, para um produto cosmético ser comercializado, ele precisa ser registrado ou notificado. Atualmente existem os produtos de Grau I (menor risco, como cremes com finalidade exclusiva de hidratação e água de colônia) e de Grau II (maior risco, como fotoprotetores e produtos para pele acneica). Os produtos de Grau I, então, são isentos de registro, mas precisam de notificação, informando a intenção de comercialização. Esse grupo não precisa submeter os testes realizados para análise e aprovação na Anvisa, pois esses produtos possuem propriedades básicas, cuja comprovação não é necessária. Portanto, são isentos de emitir informações detalhadas sobre o produto. Porém, os produtos de Grau II possuem indicações específicas, que exigem comprovação de segurança e eficácia, além de informações sobre cuidados, modo e restrições de uso. Por isso é necessário o registro (ato legal que reconhece a adequação de um produto à vigilância sanitária) dos produtos de Grau II. Logo, o controle é feito antes da comercialização. 

Aliás, os testes são extremamente importantes para garantir a estabilidade, segurança e eficácia do cosmético, que são propriedades extremamente importantes. Logo, diversos testes são realizados, como o de estabilidade acelerada, Challenge Test (desafio do sistema conservante) e testes de interação entre embalagem-formulação e componentes da formulação. Portanto, é importante pensar se um produtor artesanal conseguiria realizar todos esses testes, garantindo assim as características básicas que um produto cosmético deve ter. 

Além disso, há outros aspectos regulatórios importantes, como a RDC 48/2013, que regula as Boas Práticas de Fabricação Para Produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes. De início, é necessária uma inspeção sanitária mandatória do local de produção antes de iniciar as atividades. As instalações prediais e operacionais da empresa deverão manter a documentação e condições de conservação, além de aprovação pela autoridade sanitária competente e demais órgãos afins, em instância municipal, estadual e federal. Isso ocorre pois, segundo a Instrução Normativa 16/2017, a fabricação de cosméticos, produtos de perfumaria e higiene pessoal é classificada como uma atividade de alto risco. 

Portanto, após analisar todos os requisitos para comercializar um cosmético, é possível notar que, a partir do momento que um cosmético artesanal se submete à comercialização, ele perde seu caráter artesanal. Os aspectos regulatórios são necessários para garantir a saúde do consumidor, pois há uma grande diferença entre produzir um cosmético para uso próprio e comercializá-lo. Ele precisa ser seguro para não comprometer a saúde de quem for utilizá-lo. 

Conclusão

Recentemente, notou-se um aumento na produção e comercialização de cosméticos artesanais. Nos Estados Unidos, por exemplo, os cosméticos não precisam de aprovação para serem comercializados. Eles são regulados pelo FDA, mas não precisam submeter o produto ou testes para análise. Isso facilita a comercialização de cosméticos artesanais. Vale ressaltar, entretanto, que a garantia de segurança, estabilidade e eficácia do produto é responsabilidade do produtor, e se o FDA tiver motivos plausíveis comprovando a adulteração do produto, poderá tomar medidas regulatórias contra o mesmo.

No Brasil, porém, a situação é diferente. Para um cosmético ser comercializado o local de produção precisa ser inspecionado e autorizado para realização de tal atividade. Além disso, testes precisam ser realizados, comprovando a segurança e estabilidade do produto. Esses testes não precisam ser enviados para a Anvisa, porém, os documentos precisam ser salvos, por conta de eventual inspeção. Observando os aspectos regulatórios é possível ver que um cosmético artesanal não atende os requisitos necessários para a comercialização.  

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Referências
[1] Anvisa simplifica regularização de pequenos negócios. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2018. 
[2] Instrução Normativa 16/2017. 
[3] MANUAL – Boas Práticas de Fabricação – Indústrias de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes – 2015.
[4] Prohibited & Restricted Ingredients in Cosmetics. US Food & Drug Administration.
[5] RDC 49/2013.
[6] Regularização de Produtos – Cosméticos. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 
[7] Small Business & Homemade Cosmetics: Fact Sheet. US Food & Drug Administration. 

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